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Ansiedade e Depressão em Pacientes com Glaucoma
Recentemente, publicamos um estudo em uma respeitada revista internacional, Frontiers in Psychology, intitulado Prevalência de Ansiedade e Depressão em Pacientes com Glaucoma (publicado em agosto de 2024). O projeto foi desenvolvido em colaboração com outras cientistas brasileiras, abrangendo quatro centros de atendimento especializados em glaucoma, localizados em São Paulo e Curitiba. O objetivo do estudo foi identificar a prevalência de ansiedade e depressão entre pacientes portadores de glaucoma.
O glaucoma é uma doença crônica que afeta significativamente a qualidade de vida dos pacientes e pode levar a incapacidades em diversos aspectos da vida cotidiana. Seus impactos vão além da perda visual, comprometendo atividades diárias, a independência e aspectos sociais e econômicos. Além disso, pode estar associado à depressão e à ansiedade.
A real repercussão do glaucoma no estresse, na ansiedade e na depressão ainda não está totalmente esclarecida. Alguns estudos estimam que a prevalência de sintomas depressivos em pacientes com glaucoma varia entre 10% e 12%, sendo que a depressão é 32% mais frequente nesses pacientes em comparação com a população geral.
Nosso estudo transversal foi realizado com pacientes diagnosticados com glaucoma e que estavam em tratamento há pelo menos seis meses. Para a análise, utilizamos dois questionários já validados em português: o PHQ-9 (Patient Health Questionnaire-9) e o GAD-7 (Generalized Anxiety Disorder-7), ferramentas amplamente utilizadas para avaliação de depressão e ansiedade, respectivamente.
. O PHQ-9 é um instrumento validado para rastreamento da depressão em pacientes e na população em geral. Consiste em nove questões que avaliam sintomas depressivos, sendo uma ferramenta eficaz para identificar depressão e monitorar a resposta ao tratamento.
. O GAD-7 é um questionário confiável para a identificação de transtorno de ansiedade generalizada e pode ser administrado por profissionais de saúde não especializados, embora a interpretação dos resultados deva ser feita por um profissional treinado.
Os dados clínicos dos pacientes foram rigorosamente analisados, considerando a progressão da doença, histórico de tratamentos, uso de colírios e cirurgias antiglaucomatosas. Foram documentadas variáveis como gravidade da doença, sexo, idade, fatores socioeconômicos, profissão, escolaridade, histórico de cirurgias oculares e o número de colírios utilizados.
No total, 210 pacientes preencheram os critérios de inclusão e participaram do estudo. Os pacientes foram divididos em três subgrupos de acordo com a gravidade do glaucoma:
. Glaucoma inicial: 42,4%
. Glaucoma moderado: 19,5%
. Glaucoma grave: 38,1%
A idade média dos participantes foi de 61 anos, com predominância do sexo feminino. Em relação à escolaridade, 42,86% possuíam ensino superior, seguidos por 30,05% com ensino fundamental completo. Quanto às comorbidades, 40,38% apresentavam hipertensão arterial sistêmica e 25,85% tinham diabetes mellitus.
O Glaucoma Primário de Ângulo Aberto foi o tipo mais comum, diagnosticado em 59,9% dos pacientes. A média de uso de medicamentos antiglaucomatosos foi de 1,68 ± 1,25 por paciente, e a pressão intraocular média foi de 18,73 ± 8,09 mmHg.
A prevalência de depressão foi de 26,19%, enquanto a de ansiedade foi de 25,71%. Observamos que esses índices são superiores à média nacional brasileira. No estudo, constatamos que os níveis de ansiedade eram mais elevados nos pacientes em estágio inicial da doença, enquanto os sintomas depressivos eram mais comuns nos estágios avançados.
. O score de ansiedade nos pacientes com glaucoma leve foi de 33,71%, enquanto nos casos graves foi de 17,07%.
O glaucoma é a principal causa de cegueira irreversível no mundo e uma das principais causas de cegueira evitável. Diversos fatores podem contribuir para a progressão da doença, incluindo a baixa adesão ao tratamento, o alto custo dos medicamentos e os efeitos adversos das terapias.
Na literatura, observamos que comorbidades como transtornos de ansiedade e depressão podem impactar negativamente a adesão ao tratamento. É razoável sugerir que o glaucoma possa ser um fator desencadeante desses transtornos.
Nosso estudo indica que pacientes recentemente diagnosticados com glaucoma precoce apresentam níveis mais elevados de ansiedade, possivelmente devido à incerteza sobre o futuro e às mudanças em sua perspectiva de vida. Ao longo do tempo, muitos pacientes se adaptam às novas condições, desenvolvendo mecanismos para lidar com suas limitações e dificuldades.
No entanto, em casos de glaucoma grave, observamos uma piora dos sintomas emocionais. A possibilidade iminente de perda visual gera preocupação com a limitação das atividades diárias e a redução da qualidade de vida. Esses fatores podem levar ao desenvolvimento de distúrbios do sono, estresse e transtornos depressivos e ansiosos.
Nosso estudo demonstrou uma correlação entre o glaucoma e uma maior prevalência de ansiedade e depressão. Essa relação sugere a necessidade de uma abordagem mais abrangente no tratamento da doença, incluindo a avaliação psicológica e o suporte emocional aos pacientes. Dessa forma, poderemos proporcionar uma melhor qualidade de vida aos portadores de glaucoma, reduzindo os impactos negativos da doença em sua saúde mental e bem-estar geral.
*Regina Cele Silveira Seixas é médica oftalmologista, diretora da Sociedade Brasileira de Glaucoma e membro da The Scientific Research Honor Society (Sigma Xi)
Por Redação Brazil Health