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Feminicídio: Quando a Falência Simbólica se Torna Violência Letal
O Brasil registrou 1.450 feminicídios em 2024 — o maior número desde que o crime foi tipificado em 2015. São quase seis mulheres assassinadas por dia, muitas vezes pelos próprios companheiros. Só no Rio Grande do Sul, 10 feminicídios aconteceram em um único feriado, escancarando que a violência vai além do corpo: ela atinge também o tecido simbólico que sustenta as relações sociais.
A psicanalista Camila Camaratta afirma que o feminicídio não pode ser entendido apenas como um ato de violência física. “É uma falência profunda da capacidade de simbolizar. Quando o sujeito não consegue lidar com a perda, a frustração ou o desejo do outro, ele age: destrói, elimina”, explica. Para ela, a passagem ao ato é sintoma de uma crise civilizatória.
Descontrole, posse e colapso dos vínculos
Muitos agressores, diz Camaratta, não suportam a autonomia da mulher. “É como se dissessem: ‘não suporto que você exista sem ser minha’. A perda vira ameaça, e o feminino, algo a ser eliminado.” Essa lógica é reforçada por discursos misóginos em comunidades online, como os grupos redpill e incels, que propagam ideias ultrapassadas sobre masculinidade.
Segundo dados da ONU Mulheres, cerca de 60% dos assassinatos de mulheres no mundo ocorrem dentro de casa. No Brasil, o Relatório Anual Socioeconômico da Mulher (RASEAM 2025) aponta 2.485 homicídios dolosos de mulheres ou lesões seguidas de morte, além dos feminicídios, em 2024. O número representa leve queda de 5%, mas o problema está longe de ser resolvido.
Quando não há freio simbólico, sobra o ato bruto
Desde Freud, a psicanálise entende que é a cultura — e não a natureza — que freia as pulsões destrutivas. “Mas quando instituições como escola, família e comunidade falham, o sujeito perde os limites”, afirma Camaratta. O pediatra Donald Winnicott já alertava que vínculos precários na infância dificultam a capacidade de lidar com frustrações na vida adulta.
A historiadora e psicanalista Élisabeth Roudinesco, por sua vez, aponta que a crise atual está ligada ao declínio do patriarcado sem a construção de novas formas de subjetividade. O resultado? Uma geração de homens desorientados, ressentidos e violentos.
Punir é necessário, mas não suficiente
Camaratta defende que o sistema penal precisa ser eficaz, mas isso não basta. “Precisamos criar espaços de escuta e ressignificação simbólica. O feminicídio é um sintoma: ele carrega uma mensagem. Se não escutarmos, vamos repetir”, conclui.
Mais do que prender agressores, o desafio é cultural: construir novos modos de existir — onde o masculino não precise destruir o feminino para se afirmar. Onde o desejo do outro não seja ameaça, mas convite ao diálogo. Onde homens e mulheres possam coexistir sem medo.
Por Redação Brazil Health